Cronache d´Avola - Texto Político

Em foco: Santo Daime

É prudente considerar que, quando se fala em religião, todo cuidado se torna pouco. O motivo, a estrutura do princípio que permite o pensamento religioso: a fé. Que se dá através de uma crença que busca se tornar indubitável. E sim, crer sem dúvida sempre levou a equívocos, atos extremos e toda sorte de prejuízos. Não é de se espantar que, tudo o que conseguimos de produtivo e nossa história tenha surgido a partir da dúvida, e não da certeza.

Resumidamente o Santo Daime seria um religião originária da Amazônia na qual seringueiros misturaram elementos o catolicismo cristão com elementos da cultura indígena. Na religião do Santo Daime um chá seria a base do “despertar”. Este tal chá, em suas origens, é produzido basicamente por homens e mulheres em conjunto. Há folhas específicas que somente mulheres podem tocar e preparar, precisam colher estas folhas na floresta e as preparar fazendo um chá com elas. Aos homens cabe procurar um cipó específico que somente homens podem tocar, e são os homens que vão preparar o cipó para o chá. Depois de tudo preparado o chá é feito em diferentes concentrações para que possa ser dado desde crianças a adultos, pois é um chá alucinógeno.

Ser feito em diferentes concentrações possibilidade ser dado aos poucos, desde a crianças a adultos formando adultos que podem beber o chá já acostumados com seus efeitos, a bebida é tomada especificamente em um lugar onde cantam e dançam, ou seja, possui uma condução à alucinação que vão ter. Em suas alucinações as pessoas irão ver temas das músicas, motivadas por elas. Vendo santas, mensagens religiosas, estas coisas...

Sai-se deste contexto, se pousa em uma capital qualquer. É fácil entender que, em qualquer que seja a capital, exceto Manaus ou Rio Branco, não será possível encontrar plantas e cipós típicos da Amazônia. Tão pouco pessoas que saibam fazer este chá como é feito pelas comunidades. Tanto menos o contexto para entonação e condução de uma alucinação controlada.

Há algum tempo, anos, o xamanismo começou a “parir” “xamãs” em centros urbanos... Qualquer um que tenha lido apenas o livro Xamanismo e as Técnicas Arcaicas do Êxtase, do historiador das religiões Mircea Eliade, vai saber porque é impossível o xamanismo em centros urbanos. Pessoas de todo tipo de índole vêem usando de abordagens religiosas para ganhar a vida. É assim na grande maioria das religiões “evangélicas” que abrem igrejas diversas na velocidade em que abrem botecos. É assim com templos, com a yoga, com xamanismo, com o que for possível explorar comercialmente.

Há alguns dias uma “sub-celebridade” foi encontrada morta, em um grande centro urbano. E sua família erroneamente culpou o “chá do Santo Daime”. Erroneamente pois, primeiro, duvido que a pessoa tenha verdadeiramente bebido co chá, bebeu, se bebeu, qualquer outra coisa, sintética e alucinógena. Segundo, o Santo Daime é uma religião existente lá, no longínquo florestal, e não no meio de uma grande cidade. Dito isso, releiam primeiro parágrafo!

E ainda que eu esteja no ultimo andar da Red Ale, é importante dizer que informações precisam ser checadas antes de serem tidas por certas. É importante considerar que o que é ilícito não é regulamento, então não é possível precisar o que se está ingerindo. É importante considerar que aquilo que você crê que seja, pode não ser! Especialmente se alguém estiver lucrando com o negócio. E é vital entender que, uma “celebridade” é só uma pessoa como você, com mais e menos conhecimentos em assuntos específicos que você mas que a mídia, interessada em seu lucro, rotula como “verdade iquestionável”.

Esse pensamento é belo, vamos dissertar.

Primeiramente, gostaria de expor minha visão sobre religião.
A fé e todo conceito dogmático das religiões ao redor do mundo, são para mim, crenças estruturantes do indivíduo, não podendo, portanto, ser separado dele por fazer parte da sua singularidade.

Especificamente ao Santo Daime, que aliás tenho interesse, por misturar dentro da minha cabeça o sentido de realidade, no ponto de vista antropológico, o desenvolvimento do Santo Daime, não apenas como corrente religiosa cristã, mas como processo imaginário social em que a religião cristã, já instituída ou em processo de instituição (dependendo do período, o que não é o caso do Santo Daime que surge aproximadamente na da década de 60, portanto a religião e a crença já está legitimado e determinado na sociedade), com o ser social e seu produto instituinte, que se constitui na imaginação, nos sonhos e nas aspirações sendo especificidade humana poder criar, inventar e instituir novas formas e instituições sociais.
Vale ressaltar que o conceito de Instituinte e Instituído que exponho vem do pensamento de Cornelius Castoriadis.

Concordo com seu pensamento a respeito do Xamanismo e a relação intima com o charlatanismo.

Sobre a celebridade em questão, creio ser o neto do Chico Anysio, correto?
Nesse ponto, gostaria de chamar a atenção a um fato comum em centros urbanos, onde o conhecimento está em constante evolução e a efervescência cultural abre espaço para interpretações errôneas a respeito de métodos religiosos singulares como é o caso do tratado aqui, o Santo Daime. Infelizmente alguém, seja charlatão ou um ‘’xamã urbano’’, o termo Santo Daime, já robusto e engrandecido pela exposição principalmente mediática, torna-se produto comercial, mal elaborado, sem nenhum conhecimento farmacológico, mas apoderando do nome.

Poucos expuseram que o Santo Daime é tão antigo que remonta aos Incas e seu ayahuasca, seu contato espiritual primitivo entre o mundo dos vivos e mortos.
O que ocorre é um conceito natural no processo de evolução do conhecimento, deturpação.
A ligação entre o uso indígena e o uso por missionários jesuítas ainda no processo de colonização e a procura de algo que fizesse com que a cultura religiosa fosse instruída com sucesso e aceitação por parte desses povos ‘’primitivos’’.






Então observamos dois pontos interessantes, como o ‘’Santo Daime’’ e suas singularidades foi instituinte no processo de evolução social daquele meio, como se funde com a cultura já instituída em um processo histórico longo.

Como o termo e seus elementos religiosos são usados no meio urbano, fora daquele meio social onde surgiu com essas singularidades próprias.

Observamos também como a sociedade, principalmente midiática, aliena o conceito e passa a reproduzir erroneamente outros elementos, com princípios farmacológicos diferentes, com o termo ‘’Santo Daime’’, que passa a ser usado por ‘’Xamãs Urbanos’’ em busca de lucro.

E por fim, a relação ancestral do surgimento desse elemento alucinógeno indígena com o processo de colonização das terras americanas, em que centenas de anos depois, aparece novamente, com outro nome e outro contexto, mas com singularidades e uma herança social de um processo longo e antigo.

Há sempre muita confusão neste tema! Afinal, é polêmico e envolve certas questões delicadas.

O uso de substâncias psicoativas nas religiões realmente é tão antigo quanto as religiões em si, e ai vão de um vasto leque... Mescal, o mescalito, cogumelos, ayahuasca, datura, o vinho! (por que não o vinho, se nele a verdade...) E tantas outras que antropologicamente são utilizadas com o objetivo da exaltação da consciência.

Talvez tenhamos no xamanismo o maior exemplo desta exaltação de consciência, no caso, através do êxtase (não estou me referindo à substância e sim a um estado emocional) que justamente vai permitir o xamã ir ao mundo dos espíritos aprender a cura da doença, ou o que for importante.

Há toda uma sorte de contextos para o uso religioso de substâncias assim, e infelizmente a busca pelo lucro vai corromper isso, vai produzir toda sorte de substâncias químicas, de aditivos, de substâncias nocivas à saúde, de forma descontrolada, descaracterizada...

Enfim, é um assunto complicado e complexo, e verdadeiramente precisa de um contexto específico para existir.

Sim, extremamente complexo.